quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A cor da dor









A dor
É cinza como dia de chuva
Encharca nosso coração com lágrimas
Aguça a solidão em nós...

A dor

É rosa, é branca, amarela e azul,
Porque o cinza se foi,
Levando consigo o dia de chuva!

O sol brilhou outra vez

Aqueceu o coração, secou as lágrimas
Com o lenço perfumado do amor...

Do amor que transforma a dor da lágrima,

Mixando as cores dos sentidos e sentimentos
Ofertando-nos o arco-íris,
Lembrando a aliança que não se desfez.

A solidão já não se sente só...

Encontrou um aliado que lhe emprestou
As cores da dor!







Maurilton Morais, psiquiatra e psicoterapeuta cognitivo comportamental

terça-feira, 22 de novembro de 2011

O ADULTÉRIO E O DORMONID ( PÍLULA PARA DORMIR)








Havia um tempo, não muito longínquo, em que as mulheres que infligiam o sétimo mandamento “Não trairás” eram consideradas pecadoras. Execradas. Submetidas aos ditames das leis cíveis e condenadas. Hoje, com os novos ventos e os novos tempos, o marido traído é o responsável: falta de assistência, grosserias, traições, amigos da noite boêmia, ciúmes exagerados e alguns outros pecados veniais em relação à companheira.
Recordo-me de uma estória (como diria Câmara Cascudo) dos meandros da década de setenta no século passado:exatos l978. D. Glória foi a um cardiologista com sintomas de pânico: embrulho no estômago,perda de fôlego, coração disparado e fora do compasso,tonturas, pinicão nos braços e pernas, ondas de calor e frio no corpo, além do medo de morrer e ou enlouquecer.Os cardiologistas, como sempre, fazem mil e um exames e como contumaz, ou nada dizem ou prescrevem tranqüilizantes. Mas nunca, ou quase de rotina, nunca afirmam ou explicam os ataques de pânico, de duração curta (em média quinze minutos). D. Glória foi mais uma vítima dos tranqüilizantes de curta duração, os quais causam enorme dependência .O sono é em torno de três a quatro horas e é comum mais doses para toda a noite.
D. Glória ingeriu o Dormonid e pôs-se a dizer asneiras, como se tivesse tomado o “soro da verdade”, igual aos que os soldados americanos fazem nos prisioneiros iraquianos na Base de Guantânamo .Em estado de semi-consciência, torpor, abraçou-se ao marido, como se estivesse com seu amante, o Osvaldão.Beijou-o como nunca havia beijado, praticou amores nunca antes fornicados,como se a confusão mental ,devido ao Dormonid, a levitasse aos prazeres indescritíveis do amor profano.
E o marido, Fernandinho, percebendo o estado confusional, escutou a frase :” Osvaldão, meu amor,amanhã , o Fernandinho sai para a Petrobrás às duas da tarde...volta  às sete da noite...esse amor de hoje não vale um décimo do de amanhã”.O marido puxou conversa e pouco a pouco, no diálogo onírico, montou a sua realidade.Estava sendo enganado há quase um ano. Mesmo assim fizeram sexo como nunca. Foi quando raciocinou: “O Osvaldão até que me trouxe felicidade. Nunca tive  noite assim...”.
Conflitado, no dia seguinte, às 14:30 hs , atrás das lojas Americanas, o marido junto a um escrivão de polícia seguiram D. Glória até o motel, quando foi lavrado o ato de adultério.
Dissolvido o casamento, Osvaldão mudou-se para local ignorado e não sabido.D. Glória ficou sem a guarda dos filhos, acometida de profunda melancolia. E menos de seis meses  se passaram.
No dia em que completariam sete anos de casados, Fernandinho, sabedor da situação da antiga companheira e cansado de tanto trabalho com as duas filhas, Kátia e \keren, resolveu procurar D. Glória. Encontrou-a. Pediu-lhe que voltasse, com todo perdão e que fizesse amor, como naquela véspera do Dormonid, mesmo pensando no Osvaldão. Pacto firmado, estão juntos até hoje. A única exigência de D. Glória foi a colocação do retrato do ex-amante na cabeceira do leito conjugal.


Maurilton Morais

Masturbação e culpa











O fato de adolescentes se culparem pela prática da masturbação é dado comum observado por psiquiatras que lidam com pacientes nesta faixa de idade. E o fato de pacientes, em manicômios, se masturbarem muitas vezes, é observado por psiquiatras de adultos. Na culpa-adolescente o fenômeno é cultural. No segundo caso é biológico, como fazem os macacos no cativeiro.
A palavra masturbação já surgiu condenada pela etimologia. Citada a primeira vez pelo poeta Marcial no século I d.C. – tem semântica depreciativa já que deriva de “manu” e “stuprarere”, ou seja, “sujar com as mãos”. Mas por que a masturbação é vista com tanta carga de culpa? E quando ela é considerada manifestação de transtorno mental?
Temos de recorrer à Antropologia e à Biologia para entendermos a questão. Psiquiatra ou psicólogo que não estuda essas duas ciências possui um limitado campo de análise por não  perceber de forma crítica a realidade. No campo antropológico, os estudos de Clellan Ford e Frank Beach, de Yale, em “Patterns of sexual Behaviour”, 1970, ao analisarem 170 sociedades primitivas em cinco continentes, concluíram que os adultos nessas culturas raramente se masturbam. Para adolescentes é considerada “natural” no processo de desenvolvimento. Esses estudos confirmam os de Malinowski sobre os nativos das ilhas Tobriand: a masturbação em adultos só poderia ser praticada por “idiota(...) ou um dos infelizes albinos, ou com alguém com problemas de fala” (“A Vida Sexual dos Selvagens”). Em suma, tanto nos índios Crow, da América do Norte, quanto na tribo Trukese, na Oceania, a masturbação, em adultos, é vista como incapacidade e há algum tipo de pressão social contra ela.
Tais fatos entre os primitivos, detentores de certa liberdade sexual, são diferentes da repressão do cristianismo-judaico à masturbação. Dentro dessa moral, sexo serve apenas para produzir filhos e não para o prazer. E lógico: muitos adolescentes sentem-se culpados por terem consciência da desaprovação.
O interessante é que a Psicanálise tem uma visão semelhante à conduta dos povos primitivos: vê a masturbação como atividade normal só em crianças - como parte do desenvolvimento sexual – mas como sinal de imaturidade em adultos.
Para compreendermos melhor o assunto vamos recorrer à outra ciência, a Biologia. Os comportamentalistas (behavioristas) observam que a masturbação tem suas raízes evolutivas na tendência biológica, normal e adaptativa, de manipular, limpar e estimular órgãos sexuais externos, principalmente pelos mamíferos.
Quando se chega aos primatas, macacos nossos primos, a masturbação aumenta, principalmente em cativeiro. De todos eles, os mais desabusados, em termos sexuais, são os chimpanzés. Machos e fêmeas gostam de sexo tanto quanto o homem e a mulher: acariciam-se, masturbam-se, divertem-se à vontade. Se como diz Desmond Morris, o ser humano adora sexo, os chimpanzés não ficam atrás. Também curioso: no mundo animal as fêmeas se masturbam menos que os machos.
Juntando-se os estudos de Antropologia com os de Biologia, fica mais fácil entender o psicológico. A criança se masturba acidentalmente e gosta da excitação, como pegar no “pipi” ou roçar na sela da bicicleta. O adolescente se masturba tanto mais, quanto mais isolado se vê diante do mundo e da comunicação interpessoal. Do ponto de vista quantitativo, a Medicina, ainda não conseguiu estabelecer o que é normal ou excesso em termos de masturbação adolescente.
Pode parecer preconceituoso achar que o adulto tem transtorno mental quando, mesmo tendo um companheiro e afeto, continue a se masturbar várias vezes por semana. Há quem ache por exemplo, que a masturbação obsessiva, em adultos, mostra dificuldade de contato na relação eu-tu e pode ser sintoma de transtorno mental. Não é à toa que os macacos em cativeiro se masturbam mais. Não é em vão que as sociedades primitivas exercem certo nível de coerção sobre a masturbação em adultos. Se há satisfatória relação a dois, qual a necessidade de prática do ato masturbatório, autista, auto-erótico e esquizofreniforme? Só a solidão a dois justifica a auto-estimulação compulsiva.
No entanto, quando, no processo de desenvolvimento, a criança é reprimida de forma inadequada, pode gerar complexo de culpa em relação à masturbação, sendo um dado muito importante no desenvolvimento de distúrbios obsessivos com fundo depressivo. Em nossa experiência, a negação da sexualidade, a vergonha em discutir sexualidade, está presente em muitos quadros de hiperansiedade.
Quando os pais estimulam a masturbação em caráter exibicionista, às mais das vezes, a permissividade pode representar suas necessidades de gratificação reprimida, contraespelhando-as nos filhos.
Que as masturbações descarregam tensões, todos sabem e aprovam. Porém descarregar tensão a sós, diariamente, com grande intensidade compulsiva, afasta o adolescente da realidade, num recuo à fantasia, ao derreísmo, ao devaneio, encapsulando-o cada vez mais. O bom é quando fluem com naturalidade, transitoriedade e desculpabilização.


Maurilton Morais

O Fetiche erótico











“(...) O que amo nela é o pé fofo,
 este pé de anjo que me fascina, que
 me arrebata, que me enlouquece!”
                                       (...) José de Alencar, A pata Gazela.

O “fetiche” dos franceses é o mesmo “feitiço” dos portugueses. Foi assim: a palavra fetichismo traduz a herança dos povos primitivos, o pensamento mágico dos selvagens, onde um objeto inanimado era dotado de “mana”, de força, de espírito a exercer sobre os pobres mortais influência espiritual. Podia ser a árvore, o boneco espetado de alfinetes, a pedra, o rio, a lagoa “encantada”. Mesmo com o avanço da civilização (civilização?), mesmo assim, o homem não deixou, (ao lado do pensamento lógico, aristotélico), de manter os resquícios arcaicos do pensamento primitivo. Benzer-se diante da igreja, não passar em baixo de escada, assistir a jogos de seu time com a mesma camisa, acreditar nos livros de auto ajuda da vida ou nos misticismos da TV – Novela–Global – são evidências do pensamento mágico no inconsciente coletivo do homem dito lógico, quem disse: “Deus, quer queira, quer não, está sempre presente numa forma primitiva de fetiche”. O feitiço, virando ou não contra o feiticeiro, ainda exerce sobre os homens enorme influência.
A Psicologia e a Psiquiatria incorporaram o vocábulo fethichismo quando se observou que objetos inanimados (“soutiens”, calcinhas, sapatos, etc.) ou partes do corpo humano (cabelos, nádegas, pernas, seios, etc.) exercem um foco de excitação sexual mais que o comum, em nível normal ou patológico, sobre todos os indivíduos.
Em nível “normal” somos fetichistas, quando há tipos para todos os gostos: altos, baixos, louros, morenos, gordos, magros. Ou quando há detalhes específicos de atração, como seios grandes, pequenos, mamilos róseos ou escuros, cabelos lisos ou encaracolados, nádegas grandes ou em tábua, olhos redondos ou oblíquos, dentuços ou prognáticos, enfim, pés retos ou tortos para vários sapatos. E leve-se em conta não haver paradigmas estáticos para os mais bizarros gostos. Senão, Balzac não seria atraído por balzaquianas. Nem Charles Baudelaire e René Descartes por mulheres estrábicas!
Também se não houvesse um fetiche em nós, o “marketing” não  o exploraria e não faria pesquisas de mercado para estabelecer  até o interesse da opinião pública por nádegas, como fez a fábrica inglesa “Falmer International Limited” em 1979. Segundo a revista ISTO É de 29 de agosto de 1979, foram os cientistas e anatomistas quem estabeleceram dez tipos de nádegas: bumbum clássico, neurótico, preguiçoso, convencional, sexy, repugnante, gorduroso, gentil, extrovertido e estável. Há bumbuns para todos. Mas, como disse o sexólogo pioneiro Havelock Ellis, “Não há parte do corpo humano que não possa ser erógena”. O fetichismo comercial se estende a propagandas, filmes, “out doors”, comerciais, às vezes até grotescos. Se não houvesse fetichismo não existiria a moda.
A sociedade de consumo integrou o fetichismo à estética mental do cidadão pós-industrial. A nova geração “shopping” é especialista no enfeitiçamento erótico por “griffe”. Na praia tem-se o local especial por excelência para tais demonstrações: os indivíduos são reconhecidos pelo bumbum e pela marca dos calções e biquínis. A distinção estética-erótica se faz em função dos tipos de vestuário, modernos fetiches da sociedade atual. Os anúncios de carros, cigarros, eletrodomésticos são comumente associados a fetiches motivacionais para o Homem do século XX.
As partes do corpo, enquanto fetiches, também sofrem variações de época a época, de cultura a cultura. Num instante, como nos hotentotes, tribo africana, o foco sexual está no tamanho das nádegas. Noutro, como na sociedade americana, os grandes bustos. Nos quadros de Modigliani, as obesas matronas eram as preferidas. Na década de 30, a cintura fina era o frenesi do momento. As pernas femininas aumentaram de interesse quando as feministas na década de 60 fizeram a apologia da mini-saia. As mulheres, por seu lado, hoje em dia, mais que nunca, incorporam o valor estético-erótico-fetichista nas suas escolhas. Elas, que na década de 50 olhavam em primeiro lugar para os olhos masculinos, curtem outros atributos físicos como o bumbum, as pernas e o corpo em geral nas suas caçadas e investidas. E quando o fetichismo passa a ser objeto de estudo do distúrbio mental? Quando se torna patológico. No exato instante em que o objeto inanimado (sapato, calcinhas, luvas, meias) ou partes do corpo (cabelos, pés, mãos) deixam de se envolver no ato sexual total e passam a ser partes autônomas na geração da angústia, isto é, sem relação direta com o ato sexual.
Vejamos os dois exemplos. Um homem pede à mulher que use um determinado tipo de vestuário numa aproximação amorosa a fim de obter maior estimulação. Prefere tal corte de cabelo, um tipo de calcinha, uma espécie de brinco. Com isso, sente maior fonte de estimulação e atinge o melhor orgasmo. Tudo bem. Nada de mais. Agora imaginemos um homem que se masturba com o pênis próximo ao sapato ou à calcinha ou ao “soutien” sem nenhum interesse pela parceira. Ou como aquele personagem de Joyce, em Ulisses, chamado Bloom que, após dez anos sem sexo com a esposa, atinge o orgasmo ao carregar calcinhas no bolso do paletó. Nesses casos houve desvio do interesse pelo outro, desvio na relação eu-tu assumindo o sapato, o “soutien” ou a calcinha no primeiro plano, deixando a aproximação humana para trás. Aqui, estamos diante de um desvio da sexualidade. No texto de José de Alencar em a “Pata da Gazela”, uma botina de mulher e depois os pés exerceram enorme fascínio em Horácio. Diz José de Alencar: (...) “Mas a botina achada já não era um artigo de loja, e sim o traste mimoso de alguma beleza, o gentil companheiro de uma moça formosa, de quem ainda guardava a impressão e o perfume”. O interesse específico de fetichismo por botas, sapatos, pés, sandálias, pés suados com aroma característico, recebe o nome de podofilia (e não pedofilia que é outro assunto). Nessas situações, só há interesse pelo pé, só há orgasmo no pé, só ele ou seus adereços proporcionam prazer. E como entender o fetichista? – partamos do princípio de que o desvio fetichista é uma maneira de isolar a mulher, numa interpretação cognitiva afetiva ligada a alguém na infância “alguém amado ou não”,  mantendo-a à distância e relacionando-se com o objeto-fetiche, o qual está inconscientemente ligado a alguém na infância, alguém esse amado e ou traumatizante.
Como as culturas primitivas estudadas não apresentam o fetichismo desviante, conclui-se ser um fenômeno surgido na civilização repressora. É na aprendizagem social que se desenvolve o fetiche. A culpa, dado psicológico existente em todos nós, é bem mais poderoso nos fetichistas. Entende-se, assim, que ao isolar a mulher e preferir o sapato, a calcinha, ou o pé, o fetichista se desculpabiliza e mantém a moral repressora inviolável. A hipnose tem sido útil para demonstrar fatos infantis presentes no processo.
Dos exemplos citados, só incluímos homens, pois o fetichismo é quase exclusivamente masculino em sua forma desviante. Quando existe na mulher, vem sempre acompanhado de cleptomania – a mania de roubar objetos sem valor.
O fetichista, no íntimo, é um impotente ou incapaz sexual e tranqüiliza sua insegurança com o objeto inanimado ou com a parte do corpo que o tornará de novo potente. Foge, portanto, à avaliação de seu desempenho sexual. O não tocar a mulher, mas sim o objeto-fetiche, tem muito a ver com o medo do ato sexual.

Maurilton Morais

domingo, 20 de novembro de 2011

A Sexualidade Humana: Os incestos.










                                                                                                                 
                                                                                                                  MAURILTON MORAIS
Usei a terminologia “Os Incestos”,no plural,pois  a Antropologia Cultural nos ensina que não há só proibição de relações sexuais entre consanguíneos  pai/filho/filha,irmãos/irmãs,parentes de 1º/2º graus,mas outros tipos de proibição.Entre mulçumanos há proibição de relações sexuais entre dois seres que foram amamentados pela mesma mulher;os judeus ortodoxos não permitem casamentos entre duas pessoas com o mesmo pré-nome dos pais;entre os vietnamitas,casar-se com o professor ou com a viúva do professor é proibido;patrão e empregado entre os albaneses.Além de várias outras interdições.Tais exemplos fornecidos pela Antropologia Cultural nos transmitem o ensinamento de que não é o medo de nascerem filhos defeituosos o que levou a proibição do incesto,já que os primitivos desconheciam as leis da genética clássica e ou molecular dos nossos tempos.
A teoria mais aceita é que a proibição do incesto, defendida por Lévi-Strauss, dentro da tradição de Mauss, deu-se da passagem da natureza, da barbárie (onde tudo é permitido) para a cultura(quando se estabelecem normas proibitivas).E segundo a escola francesa de Mauss os clãs guerreavam ou selavam a paz através do sistema de trocas e dentre estas,mercadorias e mulheres.Portanto as mulheres eram proibidas da união dentro de seus clãs,já que serveriam de objeto de troca entre rivais,como prova de um novo acordo.Há outras teorias ,como a de que a proibição do incesto se deu na aquisição do comportamento verbal-a linguagem,o que coincide com a idade da transição entre natureza e a cultura.
A história da humanidade se mistura com casos de incesto a partir do mistério de sua origem bíblica em Abel,Caim e Eva ou nas filhas de Ló que copularam com o velho pai,após a destruição de Sodoma,diante do falecimento da mulher de Ló e da premência de continuar a descendência.A custa de vinho,embriagaram LÓ e com ele tiveram relações sexuais.A primogênita teve Moabe(pai até hoje dos moabitas) e a mais nova deu a luz a Ben-Ami(pai dos filhos de Amon,até hoje)-Gênesis,cap.19,vs 30-38.No Egito, Cleópatra desposou Ptolomeu IV e o XV.Nero foi amante de Agripina,sua mãe.Em Roma.Rolando nasceu do amor de Carlos Magno com sua irmã.Ccesar Borgia e Lucrécia.Duque de Orleans e sua irmã.Nas castas superiores dos Faraós e dos Incas,o incesto era norma.No entanto, a lenda de Édipo entre os gregos,condenado pelo destino a casar com a propria mãe,levou o povo a sofrer de uma peste,só cessando,quando descoberto pelo oráculo,furou os seus próprios olhos e desterrou-se em Tebas,o que demonstra  uma certa aversão ou repúdio ao incesto.Fora disto a Sociologia nos demonstra que na miséria,povoamentos promíscuos,guetos herméticos,é muito frquente o incesto,mesmo diante da repulsa social.Dentro da religião católica, em 731 d.C,o papa Gregório III proibiu o casamento entre primos até o 6º grau.Inocêncio III em 1215,permitiu o casamento entre primos até o 3º grau e no Concílio de Trento em 1563, facilitou o casamento entre primos de 1º grau com consentimento da Igreja.
Do ponto de vista psiquiátrico acontece, o incesto, em sociopatas e psicóticos adultos sobre crianças que obrigadas ou enganadas a se comportarem como adultas, desenvolvem trauma dipo TRANSTORNO DE ESPECTRO PÓS TRAUMÁTICO, dificultando o relacionamento adulto, ódio do sexo oposto,desenvolvimento de homossexualidade,sonhos terroríficos,em especial com fogo e as vezes a Síndrome de Estocolmo(paixão pelo agressor) ou assassinato dos abusadores(os quais muitas em certos casos são os provedores da casa e ou pessoas acima de qualquer suspeita).Na sexta própria abordarei o exibicionismo genital.

A Sexualidade humana:homossexualismo-doença,opção ou preferência?










                                                                                                             Maurilton Morais
A primeira pergunta a nos fazerem é se é doença ou anormalidade. Dentro da Medicina orgânica, clássica, para conceituar-se doença, tem de haver etiologia(s),curso,prognóstico e tratamento.Têm-se encontrado hipófise menor,fragilidade na área nq do cromossoma 28,mas que não são replicados em um alto percentual de casos.Por este ângulo não é doença.Seria até bom que se caracterizasse doença, pois eliminaria a carga preconceituosa.Cai-se então noutra pergunta:é opção?-Para que haja opção é fundamental a reflexão e a decisão. Se o homossexual dispuser de meios que lhe permitam em determinado momento escolher um homem ou uma mulher,se ao se masturbar o fizer pensando ora  no papel de gênero masculino e ou feminino,se estiver no nível(3) na escala Kinsey,aí há opção.Como o comum é haver compulsividade para um relacionamento com machos ou fêmeas,também não se pode falar em opção.Por estas razões usa-se o termo Preferência Sexual.
O termo opção envolve a concepção de liberdade na escolha.Para o Psiquiatra Francês, Henry Ey,a Psiquiatria é o estudo da “Patologia da Liberdade”.Perdendo-se a capacidade de decisão na escolha,predominando a compulsividade(impulsos atenuados socialmente),culmina-se no campo da ética,ou melhor , adesão íntima a norma e  ou adesão coercitiva a norma(como no Direito e suas leis)e ainda, rejeição a norma.Mas guiar-se pela norma,exclusivamente ,é por demais complexo.Se digo a cárie dentária é normal na populaão pobre,falo de norma estatística.Se afirmo que na sociedade grega era normal ter um amante protetor na filosofia e nas artes, estou catalogando como norma ideal ou de juizos de valor.Se o incesto entre familiares,como nos nobres egípcios e incas,era normal,já que-apesar dos males da consanguinidade-geravam filhos enxego a norma funcional.Se disser que a concentração de renda no sistema capitalista é normal entro na norma adaptativa ao sistema e ou regime.
Mas o que é mesmo homossexualidade?-O critério clínico não me serve, pois não sei psicanaliticamente o quanto há de homossexualidade no denominado “inconsciente dinâmico”de cada um para defini-lo como tal.O critério operacional também não satisfaz,já que em certas situações,como nas penitenciárias,na prostituição masculina ou em alto mar,são apenas circunstanciais.Guio-me pelo critério Motivacional de Judd Marmor:”Homossexual é quele motivado,em idade adulta,por uma atração erótica preferencial definida por pessoas do esmo sexo,e que de modo geral(mas não necessariamente) entrega-se a relações sexuais declaradas com elas”.
A homossexualidade é exclusiva dos seres humanos. Nos animais há a ambissexualidade ou bissexualidade, o que para alguns seria o normal dentro da filogênese (animais) e ontogênese (quando há diferenciação na gestação entre meninos e meninas).As neurociências devem se unir a Antropologia e a Sociologia,para melhor compreendermos este fenômeno não Darwinista(tal qual o suicídio):a homossexualidade.Bom,para Karl Popper uma teoria pode não expicar tudo e duas teorias podem explicar o mesmo fenômeno(ex:a teoria corpuscular e a ondulatória,ambas,explicam a luz).Para nós, continua sendo um dado biopsicossocial,como tudo em medicina,onde a multifatoriedade é a norma.Até sexta, quando abordaremos parafilias ou desviantes sexuais raras.Não se escandalizem.No século XXI para os mais religiosos “O anormal parece ser o normal”.

sábado, 19 de novembro de 2011

O poder do pênis








O ex-deputado e amigo Leonardo Arruda cobra-me o assunto. Reedito, aqui, uma velha tese nunca publicada em jornal ante o conservadorismo social: de onde vem o poder do pênis e qual a sua importância mágica no contexto psicológico da humanidade?
Ensina-nos a história que, nas procissões em homenagem ao deus do vinho – Baco, um grupo de homens portava lanças como símbolo do pênis, do “Phalo”. Nessas festas, onde se iniciou a dramaturgia grega, com a representação popular, o final era sempre a orgia e a entrega livre ao amor. Outras vezes, em vários cerimoniais religiosos do shintoísmo japonês (que se fundiu com o budismo), em alguns grupos budistas, no vedismo ou mesmo na Roma antiga, o pênis era carregado, adorado, beijado por mulheres que queriam engravidar. Mas de onde vem esse poder?
Na psicanálise clássica “Interpretação dos Sonhos” (Freud, 1899) é símbolo masculino todo objeto pontiagudo: varas, guarda-chuva, postes, árvores, lanças, espadas, revólveres, lápis; enfim, tudo que corte, agrida, perfure, domine. E isso tem sido uma característica masculina. Num mundo dominado por homens, fizeram muito mais a guerra que a preservação da natureza.
Dizemos isso com certa propriedade. A morte de crianças do sexo feminino, o infanticídio feminino, era prática comum entre os povos guerreiros primitivos. Se o homem pensasse em preservar a prole, a natureza, o mais lógico seria matar crianças do sexo masculino, já que um só homem é capaz de engravidar várias mulheres. Para a guerra, no entanto, o macho era indispensável.
Daí a associação do pênis com a lança, com a agressividade, com a força, com algo que domina a natureza, inclusive se antepondo à lei da gravidade. A mulher, no dizer de Simone de Beauvoir, está mais próxima da natureza pela sua gravidez, seu climatério, sua menstruação. Na grande maioria das civilizações é à mulher que compete dominar o homem.
Assim, o pênis tem poder porque numa cultura onde se valoriza a força, como era mais evidente na barbárie, ele perfura, agride e domina o órgão sexual feminino. O pênis, como as armas, tem poder de penetração. É com o bastão, na Lenda Grega, que Édipo fere e mata seu pai Laio, para depois se casar com sua própria mãe (Complexo de Édipo, na Teoria Psicanalítica).
Os que defendem o machismo pela simplista explicação da natureza biológica, dizem que mulher tem menos glóbulos vermelhos, menos força muscular, menos velocidade. E como o óvulo (célula sexual feminina) armazena pacientemente em seu núcleo substância para nutrir os espermatozóides ou o espermatozóide que lhe perfura, diz-se que mulher deve ser paciente e passiva, protegendo o macho em seu regaço e albergando o filho em seu ventre. Não seria em vão que na mitologia nagô, Oxum – a deusa da fertilidade – gosta de oferendas como gema de ovo e mel de abelha, símbolos da procriação. Também não seria em vão que todos deuses femininos, como Instar e Cibelle, na Mesopotâmia, estarem associadas à fertilidade da terra e da agricultura. Já os deuses masculinos, como o nosso Javé ou Jeová, do antigo testamento, é vingativo e enérgico.
Só as mulheres indomáveis como Iansã ou bruxas más usam lanças, cabos de vassoura e outros símbolos pontiagudos, fálicos, penianos.
Não resta dúvida que a entrada da mulher no mercado de trabalho, mesmo como mão-de-obra mais barata, trouxe modificações no domínio do macho. A sociedade pós-industrial não exige mais tanta força física como na era do fax e do computador e o pênis perdeu seu poder mágico como instrumento de força. Cresce, no século XXI, o poder genital, político, social e acadêmico da vagina.
Mas a guerra continua a ser feita de forma sofisticada e tecnológica. A sociedade torna-se mais competitiva, agressiva e enquanto persistir a guerra, mesmo sofisticada, persistem os resquícios arcaicos de uma mulher inferior.
O culto do pênis, diriam certos neodawarvinistas, está como os “memes” (*) ou seja, vírus mentais que se transmitem de geração a geração na história da humanidade. Destruir a excessiva valorização do pênis é destruir o poder masculino. É diminuir o próprio poder. O Pênis, o Poder e a Guerra são uma trilogia fálica, uma trilogia simbólica da agressividade humana.




(*)Segundo Aaholas Fearn (“Aprendendo Filosofia”, Ed.Zahar, pgs l70 e l71, Rio 2001), a comparação deles com os genes(...) é uma analogia e não se sustenta. ”Memes” podem se misturar uns aos outros, ao passo que os genes são particulados e não o podem. ”Memes” também se adaptam à existência de seu hospedeiro e depois se transmitem à sua progênie. Os genes não podem ser transformados pelas atividades do hospedeiro; meramente sobrevivem ou não até a geração seguinte.
Maurilton Morais

A Solidão e o Outro




 

 

Os versos de Antônio Maria – “Ai, a solidão vai acabar comigo!” – traduzem bem o sofrimento do cronista pernambucano ao ser abandonado por Danusa Leão. Seja no sofrimento romântico de Antônio Maria, ou nas faces estampadas de angústia dos transeuntes apressados em meio à multidão, seja no isolamento voluntário em busca da oração, o espectro da solidão está presente como o invólucro permanente da conduta humana.
Engana-se quem pensa ser a solidão a simples ausência do Outro. Pelo contrário, a solidão é o engrama da presença do outro na sua ausência. Mesmo isolado no apartamento, escrevendo ou escutando música, assistindo a televisão ou lendo os jornais do dia, o solitário busca, na comunicação, a presença do Outro.
As sensações inesperadas de solidão, que às vezes nos invade, é o vigilante despertador a soar o alarme de que o homem nasceu predestinado a ser só, sempre só, numa solidão eterna. A presença do Outro apenas ameniza a solidão. O Outro é a sombra imanente, intrínseca, necessária à existência da solidão. Não há solidão sem a presença do Outro.
Algumas vezes o Outro é procurado para que, ainda por breves momentos, se possa ter sentido ou significado para alguém. É assim na penetração sexual entre dois seres que se amam, na tentativa desesperada de serem um só corpo e uma só alma. Quando os corpos se separam, ressurge  a realidade: cada ser é único e só. A fusão fugaz com o Outro que o vê, ama, sente e percebe é o alivio temporário do peso da solidão.
Se o Homem não fosse condenado a ser só, como queria Sartre, os bares não estariam repletos de homens vazios no dizer de Vinícius. E nesses bares nem sempre são bem sucedidas as tentativas de eliminar a solidão, a qualquer preço. Se os encontros sexuais após os bares de sábado à noite fossem a simples busca do prazer, como dizem alguns, a masturbação substituiria o contato físico. Procura-se algo mais, busca-se o Outro. A solidão dos bares repletos de sábado à noite, em alguns casos, são o prenúncio do sofrimento do domingo à tarde. Com ou sem ressaca moral
Bem diferente é a solidão voluntária. Seria melhor chamá-la de isolamento. Acontece sem dor, sem trauma e tem seu lado positivo voltado para criação da obra de arte, o encontro consigo mesmo ou a tomada de decisão importante. O isolamento, a solidão criadora funciona como o instante em que a própria condição essencial do ser humano, a de ser só transcende, excede a si, para gerar o crescimento cognitivo-emocional.
O mesmo não acontece aos solitários taciturnos e magoados. Aos que se perderam e não acharam os labirintos da saída. Aos que sentem a vida passar por si a cada minuto, transformando o tempo em exercício de amargura. O solitário-amargo é entediado dos dias, horas e minutos, dominado pelo tédio existencial e sem projetos de vida. O solitário-magoado trata todos como responsáveis pelos seus fracassos. Como avalistas de suas notas promissórias do sofrimento.
A solidão dos magoados se encaixa nas tardes chuvosas, feriadões e noites frias, quando se sente a necessidade do outro. Paradoxalmente, o solitário pode ser invadido pelo tédio em festas de natal, na passagem do ano ou no surgir da primavera. A alegria da vida, da natureza é o contraponto, seu amargor.
A solidão nunca é algo que vem de fora e nos invade e sim algo inerente ao próprio ser humano. O que a torna saudável ou doente é a forma de lidarmos e de a interpretarmos. Podemos escrever um poema, um livro, ou nos drogarmos. Transformarmos a solidão em momentos de reflexão ou nos suicidamos. Em síntese, depende da capacidade de trazermos a dor para dentro da existência.
Trazer a dor para dentro da alegria é a arte que nos permite mudar a inútil angústia diante da morte natural, ou biológica, em produtiva angústia existencial. Significa vivermos como se fôssemos imortais através de projetos de vida, da necessidade de estabelecermos valores, ou de desenvolvermos o aprendizado da renúncia.
A vida em si não carece de justificativa, pois ela existe por si só e está aí a fluir. Ao contrário, a existência, que significa literalmente sair de si (“Ex-sístere”, do latim) pressupõe a comunicação consigo e com o Outro. O fim da vida não é absurdo. Absurdo  é o fim da existência. Afinal, o homem não vive, existe, se constrói.
E a solidão existencial nada mais é do que a conscientização da necessidade do Outro em nossas existências. Só dessa forma estaremos abertos a compreender não só o sofrimento, mas a nossa própria condição de solitários, finitos, angustiados.

Maurilton Morais

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O amor de João – o obsessivo e Tereza – a histérica,








A atração entre duas pessoas não ocorre ao acaso e muito menos por obra do destino. Todos somos cúmplices da história e do teatro de nossas vidas. Da mesma forma que uma chave se encaixa na fechadura, o sapato e o pé torto, a boca e o cachimbo, os desejos e as carências se buscam com a força de um imã em direção ao ferro. Uns conseguem o equilíbrio, outros se desequilibram no equilíbrio.
No começo da maioria das relações, quem comanda é a paixão. Quando o fogo abaixa e as brasas do início se transformam em cinzas, há dois caminhos: o tédio conformista ou a explosão de conflitos que fervia silenciosamente.
Uma dessas atrações fatais é a que acorre entre o obsessivo e a histérica. Os dois se fascinam e ignoram que caminham no corredor da destruição mútua. Um compensa o outro com as carências da infância, mas como toda a compensação um dia cansa e como a conduta de um não engana por muito tempo a do outro, as últimas cenas serão dolorosas para ambos.
João – o obsessivo – é solene, pomposo, rígido nos horários, detalhista e organizado. Tereza é teatral, mitomaníaca, um tanto ninfônoma, nem usa relógios, acha que a vida se encarrega de resolver tudo. Tereza é um barato: gosta de decotes insinuantes, adora os olhares suplicantes dos homens, enfim uma mulher sedutora. João é o que a sociedade convenciona chamar um Homem Sério: segue com rigor normas e etiquetas sociais, usam palavras rebuscadas e medidas e não tolera passar vergonha. João é um chato. Tereza gosta de viver em perigo e, quando muito, faz a concessão de um certo ar “blasé” ao estilo “belle époque”.
Tereza e João vivem o teatro do absurdo como atores e espectadores das mesmas cenas. Sem dúvida, ele a faz sentir-se mulher, abre-lhe com elegância a porta do carro, encomenda-lhe flores e puxa a cadeira à vista de todos nos mais sofisticados restaurantes. João transforma o ódio reprimindo em amor formal com a simetria geométrica dos homens perfeitos. Tereza faz que gosta, mantém o olhar de permanente apaixonada. As cenas iniciais são bem produzidas.
O problema é que João com atitudes formais e gestos elegantes, com o cérebro racional e lógico, esconde no fundo o ódio da tiranização. A cada dia isso torna-se mais claro quando se esvaem os primeiros êxtases da paixão e se desenvolve o temível convívio das intimidades. De maneira encoberta, o obsessivo comprime as emoções com seu cérebro, exatamente ao contrario do que a mulher lhe exige: mais afeto.
O relacionamento vai ficando difícil. João reclama da organização da geladeira, da falta de pontualidade de Tereza, dos objetos fora de lugar. Ela começa a se sentir sufocada com o ar que respira e para quem cedeu tanto nos primeiros instantes da paixão, a vida torna-se insuportável.
Tereza apercebe-se que foi mais um objetivo seriado na ordem sistemática de João. Mais um número de catálogo daquela vida ordenada e impecável. Por trás da cortesia solene, engolfada, pomposa, por trás daquela linguagem escolhida, mascarava-se grande ausência de calor humano.
Tereza explode. Zanga-se. A vida sexual deteriora-se com rapidez e infortúnio. João se afasta, isola-se, tranca-se em copas. Ambos falharam na competição pelos papéis.
Tereza passa a sentir dores nas costas e disfunções menstruais. A dor de Tereza é o seu pedido psicológico de socorro. Como não tem coragem de deixar João, pois diz não ter forças para recomeçar, é hoje uma influente líder do movimento carismático. Assim ela sublima seu sofrimento. João continua inflexível: nunca achou que estivesse errado. Pouco conversaram entre si, pois, nesses casos, o silêncio é a normalização do afeto.



Maurilton Morais

O PARANÓIDE








Zélia era funcionária de uma imobiliária. Nunca reclamava do dia-a-dia. Sorria com placidez e serenidade, atendia os que lhe procuravam com presteza, como se nada ocorresse de anormal em sua vida. Três meses depois, separou-se do marido.
Sabíamos que ele a espreitava nas esquinas, a observava pelas frestas das vidraças e até montou um esquema de espionagem para seguir-lhe os passos no trabalho. O companheiro via a possibilidade de traição, fantasiava em pontos ocultos das mulheres e mantinha-se sempre vigilante, aliás, hipervigilante. Ela nunca comentava com as colegas e procedia como as mães de antigamente: “nunca fale mal do seu marido. Casamento é para toda a vida”. Infelizmente, a vida nem sempre repete o drama . Zélia se rendeu ao oculto sofrimento, não suportando as mudanças que a mulher pós-moderna adquiriu. Apartou-se e hoje transborda um ar mais alegre e seus olhos são mais luzidios. Sua cortesia ainda é mais delicada.
O marido é uma personalidade paranóide. Padrão inflexível. E aprendi com meu mestre, profº Marcos Rogério, após cinco anos de ensino de psicoterapia cognitivo-comportamental que o paranóide é um ser a espera de ser sempre maltratado e explorado. Questiona, sem justificativa, a lealdade ou a fidelidade, relutante em confiar nos demais com receio de que a informação um dia seja usada contra si. Pensa de forma constante que pode ser humilhado, vítima de ameaça. É rancoroso e implacável com aquilo que interpreta ser insulto ou desprezo contra si, partindo para o contra ataque com raiva quando se acha minimamente criticado.
Ainda, na visão cognitiva, o paranóide tem hipertrofia de si, como nobre e invulnerável. Os outros são interferentes e abusadores. Têm crenças de permanecer em guarda, pois a desconfiança é o fulcro de sua fragilidade. E, como estratégia de ação comportamental, procuram motivos subjacentes para acusar, suspeitar e desrespeitar .
Seu objeto de amor, a pobre Zélia, em face de uma personalidade passiva, fez-se vítima permanente de ciúmes infundados e provocativos. Carlos, o paranóide, desconfiava do próprio ar que Zélia respirava, submetendo-a, de forma constante, a provas. Examinava-lhe a roupa, buscava por olfato de esperma em suas vestes íntimas e  percebia nos olhares para a companheira, tentativas de conquistas, frutos de sua mente doentia. Carlos é susceptível, sensitivo, interpretativo. Diante da dúvida, opta sempre para pensar, adivinhar o que os outros estão pensando. É perspicaz, pois desde cedo desenvolveu a arte da vitimologia.
Os paranóides utilizam, por desconfiança, a arte de inspirar falso amor e falsa empatia. Sendo vulneráveis a críticas, desconfiam da lisonja. E, paradoxalmente, gostam dos que os aplaudem e batem  palmas por se acharem personagens ideais. Nessa contradição, dissimulam para despistar a revanche para com quem julga hostis.
Os paranóides podem até vencer na vida profissional e política, porém fracassam no convívio sentimental, já que desde muito antes usam do argumento lógico, em excesso, para derrotar suas presas.
Por sorte, Zélia, da próxima vez, seja mais assertiva, mais afirmativa. Com o próximo amor se ainda lhe resta disposição para a luta, aprenda com essa lição que a vida lhe premiou
Maurilton Morais

A mágoa












Tal como a angústia, a insegurança e o medo estão na base de todas as neuroses, a mágoa, junto ao ciúme e à inveja formam o tripé da maioria dos comportamentos anômalos dos seres humanos. Sobre o ciúme, como já o dissemos, muito já se falou, mas quem melhor o definiu foi o poeta e cancioneiro Luiz Vieira: "É o medo de que o que é nosso possa ser de outros também". Aliás, definição mais clara do que qualquer tratado de psicologia. Quanto à inveja, o candomblé e os afros curam-na melhor que a psicanálise. Para nossos orixás, a inveja é causa de todos os males, dos maus-olhados, o olho gordo, uma terrível nódoa que paira sobre a humanidade como uma nuvem.
          Mas, e a mágoa? Quase ninguém fala dela. Trata-se de ressentimento de alguém que foi traído na sua ingenuidade de ser bom. Ou alguém que se equivocou com o mundo, com as pessoas, com a vida, com os sonhos. Por isso, dói como estiletada fina, penetrante, crônica no fundo do ser.
          Igual à inveja e ao ciúme, a mágoa impede o crescimento, porém difere deles por trazer dentro de si o gosto amargo, a amargura, o desencanto, quase o desespero. A mágoa perece-se com aquelas crônicas de Antônio Maria ao perder Danusa Leão para Samuel Wainer, misturando-se com a raiva do ciúme e da inveja "ver aquele homem passeando de chambre e com o cachimbo na boca”, ao lado de seu ex-amor. A mágoa de ter sido abandonado por Danusa, a irmã de Nara Leão, levou Antônio Maria, literalmente, à falência do coração, ao infarto. Esse sentimento é assim – corrosivo, lesivo, destruidor, desintegrativo.
         A mágoa é vivenciada como desgosto, tão profundo que torna o indivíduo incapaz ou pouco capaz de reencontrar-se consigo. Quantas pessoas não carregam dentro de si uma mágoa perpétua de alguém em quem muito confiou?
Quantas mulheres não desenvolvem Distúrbios de Pânico, na idade adulta, após terem guardado sigilo, durante anos, de abuso sexual na idade infantil? Quantas crianças não se tornam revoltadas, insatisfeitas, rancorosas, por possuírem a mágoa de se sentirem enganadas pelos pais por longos períodos?
        O magoado sente-se pisado, ferido, ofendido, carregando em si grande nódoa, enorme mancha, intensa ferida aberta. A mágoa é uma ferida que nunca cicatrizou.
Há mágoas objetivas e subjetivas. As primeiras são fruto da realidade: do amigo a quem se ajudou nas horas difíceis e depois não se recebeu o retorno; do homem ao qual se entregou de corpo e alma e foi abandonada; do irmão de quem se esperava um gesto magnânimo nas agruras financeiras; enfim, fatos concretos na história, na biografia cotidiana da desconsideração.
       A mágoa subjetiva é fantasmagórica, inventada, criada a partir de uma pessoa que não soube pautar bem sua vida e joga a culpa nos outros pelo fracasso. São os que se julgam irremediavelmente perdidos, incapazes de ir à luta e recomeçarem do zero. Nestes, a mágoa é a expressão de quem não tem a humildade de se enxergar no espelho, de encarar o próprio aspecto. Aqui, a mágoa está mais próxima da inveja do bem-sucedido.
       O grande problema da mágoa são as reminiscências, as lembranças traumáticas do passado estrangulando o caminho do futuro. Elas impedem o magoado de acreditar de novo na possibilidade de sorrir, sem correr, de novo, o risco de ser enganado, lesado, machucado.
       Nesse ponto, a mágoa se aproxima do ciúme pelas desconfianças perenes, contínuas,  da lealdade do outro. O ciumento tem receio de perder para o outro o que é seu. O magoado não se arrisca mais a amar de peito aberto, confiar integralmente, como se fizesse a profilaxia do desencanto.
      Ela é parenta próxima da incapacidade de perdoar. De 'passar uma borracha' no passado. De virar a página da história. E se amar é capacidade de perdoar e se não há amor sem perdão, como queria Vinícius de Morais, o magoado é um incapaz, um deficiente amoroso, um deficitário em futuras mudanças da vida.
      Incapacidade de amar, por se sentir magoado, é sinônimo de raiva misturada à culpa de si mesmo. Somos, nesses casos, como um carro enguiçado na estrada da vida. Se alguém passar a ajudar a desenguiçar o carro, vá com ele. E quem sabe, deve haver em você, além do lado ruim e sofrido, coisas boas. Garantimos que com duas ou três desilusões na vida atinge-se o que os americanos chamam de "steady-state" – o estado de equilíbrio.
      Do contrário, sua mágoa será um reservatório. Uma fonte que nunca secará. E você a destilará gota a gota em pessoas que nada têm a ver com o seu passado.




Maurilton Morais






quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Vida de Casal









Embora a evolução das espécies tenha se esforçado para o acasalamento, especialmente dos pássaros aos chipanzés, no homem, tido como o mais sábio e inteligente dos animais, o social e as religiões têm feito o possível para atrapalhar. Mesmo assim, a tentativa de viver junto, dividir tarefas, copular de forma monogâmica, habitar o mesmo território ou habitação, tem se constituído em difícil e judicioso processo de adaptação.
Deixemos os macacos antromorfos e os hominídeos para lá e cuidemos de nós, gente. Não é novidade que as necessidades econômicas sempre condicionaram os tipos de união de famílias. Hoje, do século XX para o XXI, já não se transfere saber, dinheiro ou educação como antes e os casamentos são mais raros, as pessoas se casam mais tarde e se desfazem as uniões com incrível facilidade.
A vida a dois torna-se tão dinâmica como dinâmicas são as mudanças das informações e de situações da vida e do mundo. Homem e mulher se olham mais em igualdade de condições que antes e a competição e desconfiança entre ambos aumenta. As dificuldades do casal exigem intrincadas redes de negociações, pois a velha ordem patriarcal se esmaeceu desde há tempos
O convívio a dois, passa por diversos instantes ou fases. No início “tudo são flores", cada um entusiasmado com o outro, imbricando-se numa vida de isolamento, até compreensível e necessária para o melhor conhecimento. Cada qual procura agradar o parceiro, num jogo de sedução, como fazem vários insetos, pássaros e mamíferos.
Com o passar dos dias, surgem as primeiras realidades. Afinal, ninguém consegue enganar por todo tempo. Quando os defeitos aparecem, somente a atração ainda muito forte e o desejo de continuar juntos  "pode segurar” a relação amorosa. Trata-se do momento crucial, da encruzilhada, do instante “D” do casal. Se não ocorrer diálogo e boa vontade, a vaca vai para o brejo.
Caso não haja superação, quando os defeitos surgem, a vida em comum tomará variados caminhos. O mais direto é a ruptura quase sempre facilitada pelos bons estímulos do mundo externo. Quando não se está bem dentro de casa, a casa inteira está desarrumada, surgem estimulantes convites para arrumá-la a partir de fora. As pessoas intranqüilas no convívio a dois são por demais vulneráveis e sugestionáveis aos amores extraconjugais.
Alguns fazem de conta que nada acontece e se retraem em enigmas indecifráveis. Nada dizem, nada comentam e mantêm intactas as aparências num mar de tranqüilidades superficial. Esconde-se, por trás das máscaras, um disfarce de rancores, mágoas e desejos de vingança. A exploração surge com a força dos vulcões e cataclismos, sobressaindo o ódio como denominador comum. As brigas, explodem quando menos se espera.
Em certos casais, diante de crises e mais crises, um dos dois se despersonaliza, se fragiliza a fim de se adaptar às circunstâncias. Nesse caso, um dos parceiros sentirá ilusoriamente feliz e o outro catastroficamente infeliz. O ambiente familiar tornar-se-á árido, insípido e inodoro. Funciona como algo descolorido, nem carne nem peixe.
Entretanto há situações onde as crises são fontes de renascimento e fecundidade, mas para isso é de fundamental importância o desejo que possam sentir um pelo outro. Para a superação dos problemas é básico haver atração. A idealização fantasmagórica no início do acasalamento, cede à realidade dos limites de cada um, da potencialidade dos dois e à vontade de continuar juntos.
Em qualquer vida de casal é freqüente a perda da erotização e quando se acertam, há o aumento do companheirismo. Para se manter acesa a tocha da sexualidade genital precisa-se, além da atração e do amor, grandes doses de fantasia, boa saúde física e mental, namoro permanente e relativa insegurança.
Sim, pois a segurança absoluta, transforma os bons amantes em irmãos. Isso é verificado na prática quando o que deseja ser livre e reclama do sufoco que o outro lhe proporciona, muda ao sentir-se prestes a ser abandonado. Aí inverte-se a situação: quem era na aparência independente, tonar-se o dependente; o que sufoca, percebe-se mais livre.
O equilíbrio conseguido às duras penas pelo casal, após vários acidentes de percurso, há de ser sempre frágil. Para um relacionamento mais duradouro, nos tempos instáveis de hoje, com a igualdade sexual de hoje, mister se faz discreta dose de fragilidade. A eternidade se faz às custas da sucessão de hipotéticos instantes fugazes.
Para se viver bem em casal, renunciando à misantropia, há de se ter imensas doses de criatividade. Criatividade essa para transformar o velho, o usado, em novo e interessante. Só se consegue ser assim colocando algumas pitadas de fantasia na realidade, mas não muito a ponto de se cair no ridículo.
Para se viver bem em casal é essencial que as diferenças sejam aplainadas como se faz com a madeira nobre. Que essas diferenças não sejam por demais gritantes, pois o amor não supera tudo, nem remove montanhas muito altas e rochosas.
Viver bem a dois implica ter-se  paciência e obstinação dos monges budistas, dosada com fogo dos latinos. É preciso medir a possibilidade de nada ser definitivo e sempre ter em mente a imagem de dois seres em permanente mutação, ao sabor das circunstâncias, das idades e das instabilidades afetivas. Os laços jurídicos são o contra-ponto de nossas fragilidades biológicas.


Maurilton Morais

Casamento, amor e adultério: uma invenção cultural







Casamento era uma coisa e amor outra coisa, até que a Igreja os uniu na cultura ocidental cristã. Casamento, historicamente, sempre foi uma aliança material: assegurar ou evitar guerras. Já o amor, é a roupagem social da natureza biológica. Quem juntou casamento com amor foi a Igreja e, por isso, a união nunca deu completamente certo.

Remeto os leitores ao livro Repressão Sexual, de Marilena Chaui (Editora Brasiliense, págs. 88 a 141). Demostra ela como o casamento monogâmico foi instituído como sacramento pela Igreja em fins do século 13, após estabelecer o controle sobre a sociedade e sobre as alianças da nobreza. A Igreja controlava tudo: com quem quer casar, os dotes, os esponsalícios, a estabilidade ou não do casamento com fins de herança.
Toda pedagogia cristã se baseia na origem da “queda do paraíso”: a punição do pecado teria de ser paga com castidade, com sublimação do amor profano em amor divino. A opressão da mulher é norma no cristianismo, inclusive pelas declarações de St. Agostinho, S. Paulo, S Tomás de Aquino: a mulher foi a responsável pela “queda” de Adão, veio de uma costela de Adão, tornou-se inimiga da serpente, enfim, perigosa e sedutora.
Foi a influência do apóstolo Paulo que levou a igreja a aceitar o casamento como “remédio” contra o pecado, a luxúria e a prevaricação. Os primeiros padres, Gregório de Nilza, Graciano e outros viam o casamento com desprezo.
Portanto, casamento nunca foi divino, nem eterno, nem indissolúvel. Basta consultar os atlas Antropológicos de Murdoch, de Ford e Bearch, ou estudar a história das civilizações, onde se encontram várias formas de casamento diretamente ligadas à produção (agrícola, pastoril, comunitária etc.)
Com o controle sobre a sociedade, sobre os casamentos, a Igreja estabeleceu o domínio sobre a sexualidade, especialmente com os confessionários. O casamento era “permitido”, segundo S. Paulo, desde que realizado com o consentimento dos noivos, dentro da Igreja (antes era realizados nos castelos pelos senhores feudais) e com uma condição fundamental: o sexo tinha se ser “honesto”, unicamente para procriação, sem luxuria e sem prazer. Mulher, pensar em orgasmo, para Igreja Católica, até a renascença, jamais.
Por outro lado, o amor romântico, esse superlativo do afeto, antes desconhecido, iniciou-se na França, segundo Edgard Gregersen – História da sexualidade humana, Ed. Roca, págs. 288, - ligado ao cavalheirismo, à cavalaria, ao feudalismo e aos menestréis, que realizavam trovas e canções em homenagem à mulher inacessível. O amor romântico surgiu para a mulher do outro...
Somente em fins do século 19 a Igreja uniu amor e casamento na monogamia. A desgraça estava feita. Tinha ela necessidade de controlar a família, vista como autoritária e símbolo de opressão do Estado pelos movimentos socialistas emergentes.
Os gregos, por exemplo, desfrutavam de três tipos de mulheres: as esposas, de pouco valor, com finalidade de transmitir a herança; as hetaíras, para divertimento; e as concubinas, para a prática do amor.
Portanto, o fato de uma pessoa acreditar que está se "casando por amor" não invalida a história da humanidade.
Na Santa Ignorância, afirmamos que a virgindade é coisa sagrada, quando, de fato, foi instituída pela opressão dos homens para haver certeza do primogênito na transmissão da herança.
Posso falar, romanticamente, com lágrimas nos olhos de emoção, que o adultério é pecado contra Deus, quando, na história dos homens, ele foi instituído especialmente contra as mulheres para evitar a participação do filho bastardo nos bens familiares. Prova disto é que as leis romanas - Lex Julia de Adulteriis e Lex julia de Maritandiis - só puniam as mulheres da aristocracia. A plebe romana transava sem restrições no Direito Público.
Por exemplo: pesquisa de Rose Marie Muraro ("Os seis dias em que fui homem") mostra que homens e mulheres das elites brasileiras são os que mais adulteram e menos se separam com medo de perder seus privilégios.
Quem mais se casa e se descasa, como quem troca de roupa, é a classe média liberal (artistas, intelectuais, médicos, engenheiros, advogados etc.), justamente esse "exército de reserva da burguesia" – mais livre e menos comprometido com as relações de produção.
Na realidade, casamento monogâmico-patriarcal, adultério e prostituição constituem um triunvirato perfeito de contradições e hipocrisias. Um interdepende do outro, de tal forma que, unidos, asseguram a sobrevivência da falsa moralidade burguesa.
Maurilton Morais

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A mulher na língua dos brasileiros








As brasileiras não são tratadas da mesma forma, pelo vernáculo, que os brasileiros. É a triste conclusão a que chegam pesquisadores, gramáticos, semanticistas, folcloristas e, por que não, as feministas. Mulher sofre na boca o povo.
Pelo menos essa é a conclusão a que chegou Eliane Vasconcelos Leitão, em sua tese de mestrado – A Mulher na Língua do Povo – publicada pela Ed. Achiamé, em 1981. Vejamos alguns pontos pitorescos. Alguns acréscimos são de nossa responsabilidade.
Uma mulher fica muito mais emburrada ao ser chamada de gorda ou barriguda do que de burra. O homem, ao contrário. A sociedade valoriza para os homens, a inteligência bem mais que a beleza, embora o mundo do consumo tente aproximá-los. Mas, na prática, uma coisa é Mário ser barrigudo, outra é Maria ser barriguda.
Vinícius já havia dito que na mulher beleza é fundamental. Manuel Bandeira tem uns versos assim: "O que eu adoro em ti/Não é a tua inteligênia (...)” Mário Amato faz anos disse: "Dorothéa Werneck é inteligente, apesar de ser mulher”. Na língua popular, mulher quando é feia ou traz mal-estar visual é chamada de mocréia, bucho, canhão, dragão. Se fala demais é uma cobra venenosa.
Mulher bonita, na língua do brasileiro, é sempre algo comestível, degustável, ligado à oralidade: gostosa, fofinha, um doce, deliciosa ou saborosa. Na linguagem tecnológica moderna, é um avião. A bem da verdade, mudanças existem com o desenvolvimento do núcleo feminino em muitos homens, a partir de uma classe média bissexual, apolínea, Afrodita, unissex. São os almofadinhas da década de sessenta que desembocam nos mauricinhos da década de noventa.
Cabelo branco em homem pode ser charme; mulher é sempre velhice. Homem profissional é um competente, já a mulher profissional pode também ser uma prostituta. Quando feia de cara e com o traseiro desenvolvido é chamada de Raimunda. Por sinal, há uma série de palavras sem correspondentes masculinos: piranha, meretriz, rampeira, pistoleira.
Na análise do bestiário animal, da linguagem zoomórfica, a vida da mulher se complica mais ainda. Homem do sexo masculino é cachorro (canalha), garanhão (conquistador), touro (forte), lobo (sanguinário) ou bode (namorador). Mulher é cadela, égua, vaca, mariposa, loba ou piranha (com conotação sexual negativa) ou então é tanajura (de nádegas desenvolvidas), perua (mulher produzida) ou víbora/jararaca/cascável/caninana (mulher braba, maldosa). Você não vê homens com esses substantivos-adjetivos, a não ser quando: ele é veado ou bicha. Mas nem tudo é ruim: com a evolução já apareceu o "homem galinha" e o "gato" com conotações idênticas para os três sexos.
Ser virgem era honra para mulher e nada recomendável para o homem. Macho sem honra ou desonrado tem outro sentido: corno, chifrudo, traído, Cornélio.
Idade de mulher não se pergunta, é falta de educação. Se passa da juventude e é feia chamam-na de bagulho, sucata, traste, usada, bichada ou enferrujada. São freqüentes as expressões populares em relação às mulheres feias-velhas: "Parece lotação de subúrbio" (feia, velha, enferrujada e ninguém quer...) / "Aeromoça de 14-Bis" ou "Tão antiga que ensinou americano a dançar samba na II Guerra Mundial".
As frases "educativas" dos modeladores sociais para as meninas são “Comporte-se como uma mocinha”/Menina não pode andar desarrumada"/"Moça, de boa família age assim"/"Seu pai não quer que chegue tarde" ou "Cuidado para não ficar para titia”. As sociedades patriarcais são repressoras com a homossexualidade masculina e com a prostituição feminina.
O homem faz o filho na mulher. A mulher encomenda o filho. O Homem come, mulher é comida. Ele pretende, ela é pretendida. Mulher é a escolhida, deve esperar pacientemente pelo marido, "Deve se arrumar para o marido, senão ele arranja outra”
Mas os tempos mudam. Já temos Ricardões e Ricardonas. Homens que cantam subalternas e mulheres que cantam subalternos. Mulheres que convidam homens para dançar sem esperar pela "Festa da Cebola". Existe, hoje em dia, coroas gostosos e gostosas, prostitutos e prostitutas, donzelos e donzelas, mauricinhos e patricinhas, muitos com brinquinho na orelha e rabinho de cavalo no cabelo. É. Tudo mudou e agora surgiu o metrossexual. Você já sabe bem o que é essa mistura?