Os versos de Antônio Maria – “Ai, a solidão
vai acabar comigo!” – traduzem bem o sofrimento do cronista pernambucano
ao ser abandonado por Danusa Leão. Seja no sofrimento romântico de
Antônio Maria, ou nas faces estampadas de angústia dos transeuntes
apressados em meio à multidão, seja no isolamento voluntário em busca da
oração, o espectro da solidão está presente como o invólucro permanente
da conduta humana.
Engana-se quem pensa ser a solidão a simples
ausência do Outro. Pelo contrário, a solidão é o engrama da presença do
outro na sua ausência. Mesmo isolado no apartamento, escrevendo ou
escutando música, assistindo a televisão ou lendo os jornais do dia, o
solitário busca, na comunicação, a presença do Outro.
As sensações
inesperadas de solidão, que às vezes nos invade, é o vigilante
despertador a soar o alarme de que o homem nasceu predestinado a ser só,
sempre só, numa solidão eterna. A presença do Outro apenas ameniza a
solidão. O Outro é a sombra imanente, intrínseca, necessária à
existência da solidão. Não há solidão sem a presença do Outro.
Algumas
vezes o Outro é procurado para que, ainda por breves momentos, se possa
ter sentido ou significado para alguém. É assim na penetração sexual
entre dois seres que se amam, na tentativa desesperada de serem um só
corpo e uma só alma. Quando os corpos se separam, ressurge a realidade:
cada ser é único e só. A fusão fugaz com o Outro que o vê, ama, sente e
percebe é o alivio temporário do peso da solidão.
Se o Homem não
fosse condenado a ser só, como queria Sartre, os bares não estariam
repletos de homens vazios no dizer de Vinícius. E nesses bares nem
sempre são bem sucedidas as tentativas de eliminar a solidão, a qualquer
preço. Se os encontros sexuais após os bares de sábado à noite fossem a
simples busca do prazer, como dizem alguns, a masturbação substituiria o
contato físico. Procura-se algo mais, busca-se o Outro. A solidão dos
bares repletos de sábado à noite, em alguns casos, são o prenúncio do
sofrimento do domingo à tarde. Com ou sem ressaca moral
Bem diferente
é a solidão voluntária. Seria melhor chamá-la de isolamento. Acontece
sem dor, sem trauma e tem seu lado positivo voltado para criação da obra
de arte, o encontro consigo mesmo ou a tomada de decisão importante. O
isolamento, a solidão criadora funciona como o instante em que a própria
condição essencial do ser humano, a de ser só transcende, excede a si,
para gerar o crescimento cognitivo-emocional.
O mesmo não acontece
aos solitários taciturnos e magoados. Aos que se perderam e não acharam
os labirintos da saída. Aos que sentem a vida passar por si a cada
minuto, transformando o tempo em exercício de amargura. O
solitário-amargo é entediado dos dias, horas e minutos, dominado pelo
tédio existencial e sem projetos de vida. O solitário-magoado trata
todos como responsáveis pelos seus fracassos. Como avalistas de suas
notas promissórias do sofrimento.
A solidão dos magoados se encaixa
nas tardes chuvosas, feriadões e noites frias, quando se sente a
necessidade do outro. Paradoxalmente, o solitário pode ser invadido pelo
tédio em festas de natal, na passagem do ano ou no surgir da primavera.
A alegria da vida, da natureza é o contraponto, seu amargor.
A
solidão nunca é algo que vem de fora e nos invade e sim algo inerente ao
próprio ser humano. O que a torna saudável ou doente é a forma de
lidarmos e de a interpretarmos. Podemos escrever um poema, um livro, ou
nos drogarmos. Transformarmos a solidão em momentos de reflexão ou nos
suicidamos. Em síntese, depende da capacidade de trazermos a dor para
dentro da existência.
Trazer a dor para dentro da alegria é a arte
que nos permite mudar a inútil angústia diante da morte natural, ou
biológica, em produtiva angústia existencial. Significa vivermos como se
fôssemos imortais através de projetos de vida, da necessidade de
estabelecermos valores, ou de desenvolvermos o aprendizado da renúncia.
A
vida em si não carece de justificativa, pois ela existe por si só e
está aí a fluir. Ao contrário, a existência, que significa literalmente
sair de si (“Ex-sístere”, do latim) pressupõe a comunicação consigo e
com o Outro. O fim da vida não é absurdo. Absurdo é o fim da
existência. Afinal, o homem não vive, existe, se constrói.
E a
solidão existencial nada mais é do que a conscientização da necessidade
do Outro em nossas existências. Só dessa forma estaremos abertos a
compreender não só o sofrimento, mas a nossa própria condição de
solitários, finitos, angustiados.
Maurilton Morais
A solidão é sim inerente ao homem ... é necessária e imprescindível! Tania Medeiros
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